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O vício no álcool não arrasa apenas a vida da juventude brasileira. Os idosos, incluindo mulheres, também exageram no álcool e apresentam níveis de dependência tão altos quanto os dos jovens.
O problema é tão sério que duas pesquisas recém publicadas alertam para os riscos do alcoolismo na terceira idade. Os estudos mostram que no Brasil – diferentemente de outros locais do mundo – as pessoas que sobrevivem ao vício continuam fazendo das doses companhias (perigosas) para o resto da vida.
No caso das mulheres, atestou o levantamento feito com 1.145 idosos por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Ribeirão Preto , a parceria com o álcool depois dos 60 anos amplia em até oito vezes o desenvolvimento de doenças cognitivas (demência e Alzheimer). Os resultados estarão publicados na edição de abril da revista Alcoholism Clinical & Experimental Research.
Ressaca
A dependência do álcool faz parte da rotina de 8,2% dos idosos, concluiu o estudo da USP. Já na população em geral, mostram os dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 10% enfrentam problemas com a bebida, índices muito semelhantes aos encontrados nos mais velhos.
“Ainda que os homens com mais de 60 anos continuem apresentando maior prevalência de uso pesado de álcool (17,4%) também foi muito significativa a presença das idosas nestas estatísticas (3%)”, afirmou Cássio Bottino, coordenador do programa de Terceira Idade do Instituto de Psiquiatria da USP e um dos autores do estudo.
Outra pesquisa que também confirma a prevalência do alcoolismo na população que já passou da casa dos 60 anos acaba de ser divulgada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A incidência numérica fica em torno de 10% em qualquer grupo etário (18 a 25 anos; 26 a 45; 45 a 60; e mais de 60).
“No restante do mundo, em especial nos países desenvolvidos, o padrão de consumo de álcool diminui muito depois dos 50 anos, por questões comportamentais principalmente. No Brasil, entretanto, os níveis são alarmantes em qualquer faixa-etária”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, autor do estudo feito com 2.346 pessoas com mais de 18 anos, pesquisadas em 143 cidades brasileiras.
Entre os homens, mostram os dados da Unifesp, 28% bebem em quantidade que já ameaça a saúde (mais de duas vezes por semana) e 11% são comprovadamente dependentes. As mulheres somam 11% no primeiro grupo e 2% no segundo. Apesar da desvantagem numérica com o universo masculino, Laranjeira afirma que a preocupação é semelhante em ambos os sexos.
“Primeiro porque saber que uma em cada dez mulheres bebe de forma não saudável já é alarmante”, afirma. “Outro motivo é que dados preliminares de uma pesquisa que estamos fazendo com adolescentes mostram que as meninas já bebem mais do que os meninos. Isso indica que no intervalo de uma geração, elas já avançaram nas estatísticas.”
Amy Winehouse, Britney Spears, Renatinha e Heleninha Roitman
Os dados mais atualizados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) – divulgados em 2005 – já mostravam que na adolescência, meninos e meninas consomem bebida alcoólica em quantidades semelhantes. Na faixa etária entre 12 e 15 anos, elas e eles apresentam índices de consumo em 5,6%.
É fato que tanto na ficção quanto na vida real, personagens femininas mais novas têm dado rosto para o alcoolismo. Musas teens como Amy Winehouse e Britney Spears são exemplos da dependência antes mesmo de completarem 30 anos.
Na atual trama da Rede Globo, Viver a Vida, Renatinha (interpretada por Bárbara Paz), é um exemplo do vício precoce no álcool. Em 1988, mesmo enredo foi vivido por Heleninha Roitman (Renata Sorrah), na também global Vale Tudo.
A novidade no cenário etílico, endossada pelas pesquisas, é que os dramas reais das jovens alcoólatras também são enfrentados pelas mulheres mais velhas e idosas. “Tanto a pesquisa da USP quanto a da Unifesp mostraram que uma nova geração de idosos, que tem maior liberdade para vários tipos de comportamentos, pode estar retratada pelos altos índices de alcoolismo”, afirmou o pesquisador do assunto do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ) e também professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Jerson Laks.
Perto dos bares e longe dos programas de saúde
Os motivos para a manutenção da dependência mesmo depois da chegada da velhice ainda não foram estudados, mas as hipóteses traçadas pelos especialistas caminham entre a genética e as falhas nos programas públicos de saúde.
Ronaldo Laranjeira, o pesquisador da Unifesp, acredita que a influência das propagandas no consumo exagerado de bebidas alcoólicas interfere nos hábitos de qualquer idade, agravada pelo acesso fácil ao produto. Qualquer um compra bebida em qualquer lugar.
“Outro fator é que não há tratamento eficiente na rede pública. Sendo assim, a pessoa não recebe a atenção adequada quando os sintomas do álcool começam a aparecer (entre os 45 e 50 anos) e continuam convivendo com as sequelas com o passar da idade”, diz Laranjeira.
Já o especialista Jerson Laks cita as transformações comportamentais e as questões genéticas. Os idosos foram incentivados a sair, passear, dançar e, no entanto, ficaram à margem dos programas preventivos tanto de doenças sexualmente transmissíveis quanto do uso de álcool e drogas.
“Muitos acreditam que beberam a vida e inteira e não precisam de tratamento depois que a idade chegou. Acreditam nos versos da marchinha carnavalesca de que ‘bebem sim e vão vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo”, completa ele. “Temos que ressaltar ainda a possível influência genética. Os genes relacionados ao alcoolismo podem interferir tanto nos mais jovens, quanto nos mais velhos, quando estes sobrevivem ao vício.”