Pais não conseguem proibir

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Por ser considerada uma droga lícita no Brasil, o consumo de álcool faz parte do cotidiano. É por isso que, apesar do impedimento legal e da preocupação, muitos pais permitem que os filhos consumam álcool já na adolescência.

Mesmo com apenas 16 anos, o filho da comerciante Paula* já sai sozinho e consome bebidas alcoólicas com certa regularidade. Ela diz que o que mais a assusta é a facilidade de acesso, apesar de ele ser menor de idade, e a venda de álcool para essa faixa etária, embora proibida por lei.

“Como ele é muito alto, aparenta ser mais velho. Aqui em Fortaleza, ele diz que nunca pediram documento para verificar a idade, nem para entrar nas festas e comprar bebida. Acho que deveria ter mais rigor. Recentemente, quando estivemos no Rio de Janeiro, barraram a entrada dele numa boate mesmo estando acompanhado por mim”.

Segundo ela, as primeiras saídas do filho sem a supervisão dos pais começaram aos 15 anos. Foi nesse período que ele começou a beber e a sair nos fins de semana, principalmente para boates e casas de forró. Mesmo consciente de que, por lei, o consumo de álcool só poderia acontecer na maioridade, a mãe admite não se sentir à vontade em proibir pelo fato de ela e do pai do adolescente também beberem.

“Meu filho sempre viu a mim e o pai saindo à noite para barzinhos, bebendo, e hoje ele faz a mesma coisa. O que nós buscamos é conversar para que ele aja com responsabilidade e não cometa exageros com a bebida. Mostramos que nós nunca entramos em confusão ou passamos do limite. Acredito que é uma questão de deixar claro que beber é uma parte da diversão, e que há outras coisas na vida”, explica a mãe.

Além do diálogo, Paula procura tomar outros cuidados para evitar que o filho exagere. “Ligo para o celular dele algumas vezes durante a balada para saber se ele está bem. E já avisei: no dia que ele não me atender, acabaram as saídas. Também vou buscá-lo nas festas. Assim eu sei com quem ele anda, busco fazer amizade com os amigos dele”.

Apesar disso, ela diz que são poucos os pais de amigos do filho com que ela tem contato. Diferente da sua época, ela acredita que os jovens de hoje estão mais expostos a riscos na hora de se divertir. “O acesso ao álcool é muito fácil e isso me deixa preocupada. O que eu tento fazer é dialogar e confiar nele”, ressalta.

Informação

Para Silvânia Vasconcelos, enfermeira e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), é necessário que tanto os pais como os jovens tenham a noção de que o álcool é uma droga e da extensão dos danos que ele causa no organismo, em especial num período de formação física e psicológica como a adolescência.

“Pelo fato de ser lícita, muita gente acredita que o álcool não cause tantos prejuízos. Mas o fato é que a dependência dessa droga é tão forte quanto a da cocaína. Além disso, num organismo em desenvolvimento como o do adolescente, os danos são mais comprometedores”.

O consumo excessivo de bebida pode trazer problemas em órgãos como coração, fígado, rins e pâncreas. No cérebro, ele afeta principalmente o Sistema Nervoso Central, comprometendo funções como cognição, memória e capacidade de aprendizado. “É por isso que muitos usuários acabam abandonando a escola, envolvendo-se ainda mais com a bebida”, adverte a professora.

Mitos sobre bebida: projeto busca conscientizar sobre riscos

“Álcool não vicia, todo mundo usa”; “Eu bebo para me divertir e paro quando quiser”; “Sou jovem, no outro dia não sinto mais nada”. Todos estes mitos caem por terra quando se descobre o real impacto que o álcool e outras drogas, lícitas ou não, podem provocar não só no organismo como também impactar nas relações sociais.

Diante do número preocupante de usuários de entorpecentes entre os mais jovens, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolve, há três anos, o projeto de extensão Drogas de Abuso.

O intuito é conscientizar adolescentes de escolas públicas sobre os riscos provocados pelo consumo destas substâncias. O projeto envolve professores e universitários das áreas de Farmácia, Enfermagem e Medicina. A cada ano, são selecionados estudantes do Ensino Médio que receberão formação sobre os efeitos e os prejuízos que as drogas causam ao organismo e às relações sociais.

“Utilizamos diversas abordagens para conscientizar os estudantes, priorizando uma linguagem acessível e formas de interação que despertem o interesse desses jovens. Fazemos palestras, dinâmicas de grupo e até experimentos com ratos para que eles percebam como o álcool afeta um organismo vivo”, explica a farmacêutica e professora Cléa Florenço, que atua no projeto.

Segundo ela, a reação dos adolescentes quase sempre é de surpresa diante da extensão dos danos provocados pelo álcool. “Muitos imaginam que, por ser lícita e culturalmente aceita, a bebida não cause tanto efeitos nocivos. É esse pensamento a torna ainda mais perigosa”, ressalta.

Após os encontros, os estudantes, em parceria com o projeto, promovem palestras e outras ações na própria escola, tornando-se multiplicadores do que aprenderam. Cléa Florenço considera que um dos principais resultados do projeto foi a procura espontânea dos próprios alunos em participar do projeto de extensão.

“Este ano, vamos trabalhar com 30 estudantes por conta da demanda pela participação. E isso é muito positivo. A recuperação de um dependente é muito mais difícil do que prevenir o consumo abusivo, por isso ficamos muito felizes quando muitos deles optam por não beber depois do projeto”.

Fique por dentro: como o álcool pode causar dependência

Depois de ingerida, a bebida causa, num primeiro momento, sensação de euforia, desinibição e sociabilidade. No Sistema Nervoso Central, ele aumenta os níveis de dopamina, uma substância que proporciona sensação de prazer. Por isso, se o consumo for exagerado e prolongado, o álcool acaba provocando alterações neurofisiológicas que levam ao desejo involuntário e irresistível de continuar bebendo, levando à dependência.

Um dos fatores de risco para se tornar um dependente da bebida alcoólica é o histórico familiar, também conhecido como fator de sensibilização. Quando os pais fazem uso abusivo do álcool, os filhos são mais propensos a desenvolverem o vício por conta da resposta genética que o álcool provoca no organismo.

Entrevista: Ângela Julita, professora do curso de Ciências Sociais da Unifor

Estado precisa punir venda para menores e controlar a publicidade

Como a Sra. avalia o consumo precoce de álcool por adolescentes?

O uso de álcool por adolescentes é um fenômeno geral, apesar de determinados países possuírem medidas de controle que proíbem o consumo para essa faixa etária. Impressiona o fato de eles começarem cada vez mais cedo e a quantidade de bebida ingerida em alguns casos. Mas é preciso levar em conta que o hábito de beber é comum em sociedades como a nossa. Seja nas festas familiares, nas saídas noturnas, é visto como algo natural.

Como a sociedade deve encarar o problema?

Acredito que estamos vivendo um momento de transição e adaptação. No caso da família, percebe-se que os pais, especialmente a mãe, passam mais tempo fora de casa. Os filhos, por outro lado, são mais independentes hoje em dia. Mas eles devem ter o acompanhamento da família e da sociedade.

Nossa cultura está muito voltada para este tipo de consumo. O alcoolismo é um problema sério, por isso é importante o diálogo e o conhecimento sobre os efeitos que o álcool pode provocar. É preciso haver um consumo responsável para não naturalizar o exagero.

A legislação proíbe a venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos, mas isso não é cumprido. Seria por conta dessa naturalização do uso?

O álcool é uma presença no cotidiano. Além de muitos estabelecimentos ignorarem a lei e facilitarem o acesso dos jovens ao álcool, as campanhas publicitárias são muito atrativas. Comerciais de bebidas como cerveja, com imagens sedutoras, passam na televisão em horários que os jovens estão assistindo.

E muitas vezes eles não têm a maturidade necessária para lidar com estes estímulos. É preciso que haja ações mais efetivas do Estado para punir quem vende bebida para menores e limitar os horários e os conteúdos desse tipo de publicidade.

Fonte: Karoline Viana | Diário do Nordeste

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