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Muito esporadicamente”, a jornalista Ivelise Cardo, 48 anos, gosta de tomar uma cervejinha. E “uma”, no caso, não é apenas força de expressão, mas determina a quantidade, o teto: uma latinha e mais nada.
Ela nunca chegou a ser dependente, mas considera que abusava do álcool , pois o que era hábito virou uma compulsão para o consumo quase diário. “Comecei a perceber meus motivos. Eu bebia porque todo mundo ia para o bar depois do trabalho, para relaxar”, diz. Em 2004, ela procurou a Unidade de Pesquisa de Álcool e Drogas (Uniad), em São Paulo.
Não para pedir ajuda para si, mas para incentivar uma amiga alcoólatra a se tratar. A colega nunca apareceu, mas Ivelise passou a frequentar reuniões semanais exclusivamente femininas, durante cerca de um ano.
Depois desse período, ela se mudou para Santos, no litoral sul de São Paulo, e sabe que não pode deixar a guarda baixa. O máximo que se permite é, eventualmente, substituir a latinha de cerveja por uma taça de vinho. Uma só.
Longe de ser exceção, a história de Ivelise exemplifica uma tendência. Segundo dados do Ministério da Saúde em 27 cidades brasileiras, o uso abusivo de álcool (mais de quatro doses para mulheres e mais de cinco para homens numa mesma ocasião) tem se mantido igual entre eles, mas está aumentando no caso delas.
Segundo o grupo de ajuda Alcoólicos Anônimos, há 15 anos a frequência era de uma mulher para cada seis homens atrás de ajuda. Hoje, são pelo menos três mulheres para cada seis homens, entre um milhão de pessoas atendidas pelo programa atualmente.
E essa tendência não conhece fronteiras. Richard Grucza, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, cruzou os dados de duas grandes pesquisas epidemiológicas realizadas nos Estados Unidos com um intervalo de dez anos entre elas, 1991-1992 e 2001-2002.
A conclusão foi que mulheres nascidas após 1954 têm 1,5 mais chance de desenvolver dependência de álcool do que suas antecessoras, reflexo do “aumento substancial no hábito de beber das mulheres”, afirma Grucza.
Elas começam cedo. Em uma comunidade do Orkut dedicada ao tema, um tópico no fórum perguntava quando havia sido o primeiro porre das participantes. Em geral, as garotas que responderam disseram que a iniciação se deu entre 11 e 15 anos. Uma delas considerava que começou tarde, “com 17”.
Estudiosos apontam uma série de motivos para que elas passassem a frequentar mais os bares desde meados da década de 1940, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Um deles é que beber se tornou socialmente mais aceitável. A ex-dependente MG*, 61 anos, concorda.
“O álcool é uma droga tão natural que quem não bebe é olhado de soslaio, as pessoas perguntam por que não está tomando”, diz. Abstêmia há dois anos e meio, ela conseguiu livrar-se do vício e das constantes tremedeiras, queda de cabelo, diarreias e vômitos com terapia e remédios, mas considera-se em eterna recuperação. Na sua casa não entra álcool nem na forma de produtos de limpeza.
Além dos bares, escritórios e universidades também passaram a receber mais público feminino. Mais endinheiradas e educadas, elas tornaram-se protagonistas de cenas impensáveis décadas atrás, como um grupo de amigas desacompanhadas em um bar. Um desses grupos é formado por Marina, 27 anos, Raquel e C.*, ambas com 28.
Todas são solteiras, têm diploma universitário, trabalham e gostam de sair de duas a três vezes por semana em São Paulo. Calculam que tomam de 6 a 10 copos de cerveja por encontro. “E mais uma dose de cachaça compartilhada”, afirma Raquel. Para elas, a bebida é um meio de confraternização e relaxamento. Mas também pode ser uma válvula de escape.
“Todo mundo tem a necessidade de fugir da realidade e de suprir carências”, diz Raquel. Na visão dela, uns fazem isso por meio do álcool. Outros, fazem compras compulsivamente ou assistem televisão.
Apesar de Marina afirmar que sua família acha que bebe excessivamente, ela acredita que possui uma tolerância aos efeitos do álcool maior que a média. “Algumas pessoas dizem que eu bebo ‘como homem’.” Para C., porém, um sinal de alerta mantém-se aceso.
“Tem a preocupação com a saúde, mas tem mais a ver com usar o álcool para camuflar algo que está incomodando, tipo excesso de trabalho.” Por outro lado, ter de cumprir as tarefas no escritório no dia seguinte faz a publicitária maneirar nos tragos noturnos.
Fonte: Gazeta Press / Placar