Tempo de leitura: menos de 1 minuto
O gari Romery Ferreira de Jesus, 46, começou a beber aos 20 anos, mas a situação se agravou depois da morte da cunhada, irmã de sua esposa, em 2001.
A partir daí, as doses de cachaça foram aumentando, levando-o a pedir socorro nesta quinta-feira à assistencial social da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg).
Até parar no Pronto-Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc, mantido pelo governo municipal, ele percorreu um longo caminho.
“Não bebo diariamente. Às vezes fico até dez dias sem colocar uma gota de álcool na boca. Mas quando faço isso, são quatro dias direto”, contou o gari.
Ele assumiu que, por várias vezes no meio do expediente, desviou seu percurso de trabalho até o bar mais próximo. “Resolvi me tratar porque posso perder minha família e meu emprego”, disse Romery, que trabalha na Comurg há um ano e meio.
Contrariado, o gari garantiu que estava sofrendo pressão por parte do encarregado de seu ponto de apoio, no Setor Cidade Vera Cruz 2, para deixar de beber.
“Já me transferiram para o Setor João Braz como forma de punição, porque eu estava bebendo em serviço. Agora voltei para o Vera Cruz. Para mim é melhor porque moro no mesmo bairro”, ressaltou.
Até a tarde de ontem, Romery não tinha conseguido ser internado por falta de vaga para tratamento de dependentes químicos no sistema público de saúde.
Enquanto a reportagem do HOJE conversava com ele, outro gari chegou ao Wassily Chuck com o uniforme todo ensangüentado. Na companhia de dois assistentes sociais, o homem, que aparentava ter 60 anos, estava visivelmente embriagado, por isso caiu com o rosto no chão. Ele relutava em ser internado no pronto-socorro.
“Não quero ficar aqui, não quero ficar aqui”, protestava. Como foi levado às pressas para a enfermaria, não foi possível ouvir sua história e nem teria como, afinal de contas ele certamente não teria condições para contá-la.
A assistência social da Comurg também não soube informar de quem se tratava. No entanto, a mesma equipe garantiu que o caso de Romery Ferreira está sob monitoração, até aparecer a vaga para que seja internado.
Caso semelhante ao do gari ferido já foi presenciado por José Lopes Ribeiro, 53, que trabalha na Comurg há 11 anos. “Há uns dias, um rapaz de 28 anos desmaiou na rua.
Chamamos o Samu e o enfermeiro logo disse que ele estava embriagado”, contou. “Ele voltou a trabalhar, mas acho que não parou de beber”, disse o gari, sem querer delatar o companheiro.
Deixar o vício
O próprio José Lopes assumiu ter parado de beber há quatro meses. “Eu bebia todos os dias, mas sempre depois do expediente. No trajeto para casa, ia parando de bar em bar até tomar entre 12 e 14 doses de pinga”, relatou.
Segundo ele, a decisão de parar de beber foi exclusivamente sua. “Não estava fazendo bem para o meu corpo. Depois disso, notei diferença até na balança, pois emagreci 12 quilos”, informou. Já o gari José Jurandir Fagundes, de 56 anos, 11 de Comurg, assume que bebe duas latas de cerveja todos os dias. “É só para relaxar”, justificou.
Conforme o gerente de regional João Francisco Conceição, que trabalha no cargo há 10 anos, existem de fato muitos casos de garis com problemas de alcoolismo, sem excluir até mesmo as mulheres.
“Quando o funcionário chega embriagado, não deixamos trabalhar”, salientou. “Há cinco anos, por causa da reincidência, tivemos de cortar o ponto de um deles”, lembrou.
De acordo com João Francisco, ao ser detectado o problema de alcoolismo ou qualquer dependência química, a orientação é para que a assistência social seja comunicada.
Flagrantes de bebida durante o serviço
Para o diretor-administrativo da Comurg, Luciano Henrique de Castro, o órgão enfrenta o problema da dependência química de alguns funcionários, porque a maioria vem de uma classe discriminada da sociedade brasileira, que não tem dinheiro, perspectivas de crescimento socioeconômico, nem sonhos.
“Qual é o sonho de vida de um gari que não teve a chance de estudar, que vai trabalhar das 19 às 4 horas da madrugada, catando o lixo dos outros?”, questionou o diretor. Atualmente, o órgão tem 5 mil funcionários, sendo 4,5 mil operacionais.
Castro admitiu já ter flagrado funcionários da Comurg bebendo no horário de expediente. “Vi que a pessoa havia colocado pinga dentro de uma coca-cola para disfarçar que estava bebendo o refrigerante”, lembrou.
Embora a Companhia disponibilize uma equipe multidisciplinar – que conta com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, ortopedistas, oftalmologistas, gastroenterologista, entre outros –, é preciso que a pessoa queira se tratar.
“Fazemos reuniões constantes nos 78 pontos de apoio dos garis, em Goiânia, para tratar de vários temas, inclusive sobre a dependência química. Quando o problema é detectado, tentamos resolvê-lo com nosso quadro de profissionais. Se for caso de internação, encaminhamos para o Wassily Chuck”, informou o diretor-administrativo.
Ainda conforme Castro, depois de passarem pela triagem do Wassily Chuck, os funcionários dependentes químicos poder ser internados, quando necessário, na Clínica Jardim América, Casa de Eurípedes, Pax Clínica, Clínica Isabela, além das casas de apoio. s
“O grande desafio de hoje é tratarmos igualmente aqueles que são socialmente desiguais. Isso porque temos profissionais de vários níveis educacional e cultural trabalhando, para a Comurg, nas ruas da capital”, ressaltou.
“Tratamos o alcoolismo e outra dependência química como doenças, mas não podemos ser extremamente tolerantes com aqueles que persistem no vício e não querem se tratar.
Quando isso ocorre, depois de darmos todas as chances possíveis, a única alternativa é desligar o funcionário do nosso quadro”, finalizou.
Fonte: Márjorie Avelar / Hoje Noticia