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A Semana Nacional de Combate ao Alcoolismo é comemorada entre os dias 18 e 23 de fevereiro, com a finalidade de conscientizar a sociedade sobre as consequências e os transtornos relacionados ao uso do álcool.
Em 21 de setembro de 2018 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o Relatório Global sobre Álcool e Saúde e o uso danoso do álcool está relacionado a 3 milhões de óbitos em 2016 (quase 5,3% de todas as mortes mundiais). No Brasil, a estimativa é de que 4,2% (6,9% entre homens e 1,6% entre mulheres) dos brasileiros preenchem critérios para abuso ou dependência e o álcool esteve associado a 69,5% e 42,6% dos índices de cirrose hepática, a 36,7% e 23% dos acidentes de trânsito e a 8,7% e 2,2% dos índices de câncer – respectivamente, entre homens e mulheres em 2016.
Buscando contribuir com a conscientização da população sobre o assunto, segue entrevista com a psicóloga Ana Café, idealizadora e diretora do Núcleo Integrado e uma das diretoras da Clínica Espaço Village.
Qual o maior desafio no combate ao alcoolismo?
A minimização que o brasileiro ainda faz em torno de substâncias lícitas. Apesar do álcool ser a droga de maior risco social, nossa sociedade ainda tolera, permite e promove o uso de forma abusiva. O álcool é a droga que entra mais cedo na vida do jovem, muitas vezes por pressão do grupo, outras por exposição pela própria família. A relação do brasileiro com o álcool é ainda muito permissiva e os pais geralmente acabam sendo permissivos também, sem saber como dar limites ou por acharem ser mais seguro permitir o uso do que os filhos mentirem ou omitirem. Sabemos que quanto mais cedo o consumo, maiores são os riscos de se desenvolver o alcoolismo. Quando nossos filhos são pequenos tentamos preservá-los do contato com doenças através de vacinas, redução da exposição a fatores de risco. Por que é diferente com o álcool? Porque nossa sociedade ainda tem uma visão limitada e preconceituosa em torno do alcoolismo. Ainda vêem como um defeito de caráter ou falta de força de vontade e não como uma doença crônica.
Quais são os sintomas de alcoolismo?
Os sintomas do alcoolismo são progressivos, como é a doença. O alcoolismo é uma doença progressiva e gradativamente seus sintomas vão se manifestando. A doença passa por etapas – nem todo usuário é um dependente químico/alcoolista, mas todo alcoolista/dependente químico foi um dia um usuário e existe uma linha muito tênue entre o uso e a doença. A doença passa de um beber social, moderado e controlado para um uso abusivo e compulsivo. O principal sintoma é a perda de controle no tempo de uso e na quantidade. Perda de controle é a marca registrada da doença! Além disso, os sinais de tolerância, que é a necessidade de doses cada vez maiores e mais fortes para obter o estado desejado. Ao mesmo tempo, após a doença instalada, temos a tolerância inversa, que é quando com doses cada vez menores atinge-se mais rapidamente a alteração de comportamento. Os sintomas de abstinência costumam estar sempre presentes, mas muitas vezes são encarados como angústia, depressão, irritabilidade momentânea, sendo mascarados pelo uso de medicações antidepressivas ou ansiolíticas (prescritas ou não). Os médicos antes de prescreverem deveriam ter uma escuta mais apurada, no sentido de compreender se estão tratando de depressão e ansiedade ou de um quadro de negação do alcoolismo já instalado.
Quando tomar a decisão de internar um alcoolista?
O ideal sempre é fazer com que o alcoolista busque ajuda. Sabemos que nem sempre isso é possível pois os mecanismos de defesa da doença estão sempre presentes, no sentido de proteger a própria doença. Costuma-se orientar as famílias a buscarem ajuda antes de uma internação involuntária (esta deverá ser o último recurso a ser utilizado). A família precisa aprender a se posicionar e oferecer limites para o alcoolista, mas na maioria das vezes não sabe como fazê-lo. É dominada por sentimentos e emoções incontroláveis que por muitas vezes acabam dificultando o processo. Mas respondendo a pergunta, o momento de tomar a decisão por uma internação involuntária é quando percebemos que o alcoolista apresenta comportamentos que colocam em risco a sua vida ou a de outros, comportamento violento, pensamentos suicidas, entre outros.
É aconselhável alcoolistas em recuperação beberem cerveja & drinks sem álcool?
Não, invariavelmente este comportamento leva a recaídas. Um alcoolista em recuperação tanto precisa mudar seus hábitos de ingestão do álcool, como os hábitos sociais relacionados ao uso. Falamos do fenômeno “Porre Seco”, que é quando a pessoa está sem ingerir álcool, mas com o mesmo comportamento e prejuízos da ativa.
Autossuficiência é um dos fatores que dificultam a adesão e manutenção do tratamento. Como seria o paciente “dos sonhos”?
Acho difícil quem trabalha com adicção não ter um paciente dos sonhos. Todos que trabalhamos com isso sabemos das dificuldades e da nossa impotência perante a doença e de nossas limitações. Ter um paciente que aceite estar em tratamento, que entenda que tem um problema, mesmo que a principio não visualize que seja o álcool, já é um sonho. Começamos pelo processo de conscientização e autoconhecimento para que este individuo possa chegar num lugar que chamamos de rendição. O paciente rendido talvez seja o paciente dos sonhos, aquele que sabe que perdeu para a doença, que perdeu para a substância, que aceita que sua vida fica incontrolável sob o uso do álcool e qualquer outra substância. Um paciente rendido não manipula e usa medicações, um paciente rendido não manipula os familiares e/ou terapeuta, um paciente rendido quer ajuda e aceita ajuda.
Na foto: Ana Café no Congresso de 40 anos da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD)