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“…É importante esclarecer que um alcoólatra não precisa obrigatoriamente ser internado para se tratar: cada caso é um caso e hoje existem outros modelos de tratamento. Mas é preciso alertar que o álcool embriaga a família. “A doença gera ansiedade e desagregação na família, que dificilmente sai do problema sozinha”, explica Fátima Rato Padin, psicóloga com especialização e mestrado na Unifesp. Os grupos de ajuda mútua, como Amor Exigente e Al-Anon, segundo Fátima, têm filosofias próprias e não servem para todos. Mas a família não deve desistir porque procurou ajuda e não deu certo. ..”
A Lei Seca parece estar pegando, as políticas públicas vêm evoluindo, o preconceito diminuiu. O alcoolismo vem sendo mais bem compreendido nos últimos 20 anos. Mas a maioria dos brasileiros ainda não acredita que a dependência do álcool seja doença – nem que o único remédio para o dependente, muitas vezes, seja parar de beber.
Foi o que fez o jornalista e escritor Ruy Castro, ex-marido da autora do texto, há 21 anos – e ele não tem do que reclamar. Foi essa também a escolha do médico que o ajudou na época e de algumas pessoas que resolveram contar suas histórias. Todas elas só têm motivos para comemorar – sem álcool. E desejam que muitos outros brasileiros aprendam a lidar com essa doença tão social e tão traiçoeira.
Quando saiu a Lei Seca, em junho de 2008, pipocaram reportagens abordando esquemas alternativos criados por donos de bares (mandar o cliente para casa de táxi ou de van) e pelos frequentadores (fazer rodízio para ter um motorista sóbrio), ao lado de protestos de inconstitucionalidade e outros. Mas o que levou as autoridades a determinar a prisão de quem dirigisse depois de consumir apenas dois chopes? Afinal, as pessoas abusam tanto assim da bebida?
O álcool é a droga mais consumida no mundo, e dirigir alcoolizado é um dos nossos principais problemas de saúde pública. O I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, realizado em 2007, acusou: dois terços dos indivíduos que dirigiram alcoolizados fizeram isso depois de consumir três doses de álcool duas a três vezes no último ano – ou seja, a maioria bebeu mais do que o limite legal do Brasil antes da Lei Seca. E 61% da bebida consumida era justamente cerveja ou chope.
Os números são claros: segundo dados do Ministério da Saúde de março de 2009, os atendimentos de urgência caíram em média 11,5% em 17 das 26 capitais pesquisadas, e houve uma redução de 20,5% no número de vítimas fatais em acidentes de trânsito. E o balanço anual divulgado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) também em março revelou que as mortes em acidentes no trânsito paulistano diminuíram 6% em 2008 – com apenas seis meses da lei mais rigorosa.
Realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o I Levantamento Nacional foi coordenado pelo médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira e revelou uma realidade infinitamente mais dramática: temos aproximadamente 12% de alcoólatras – cerca de 15 milhões de pessoas!
Da população pesquisada, com idade de 14 a 65 anos, 52% bebe: metade ocasionalmente, e metade, com frequência. Dos que bebem com frequência, metade é dependente e os outros 12% são bebedores abusivos. Beber abusivamente, ou de maneira nociva, significa consumir cinco ou mais doses uma ou mais vezes por semana (no caso das mulheres, quatro doses ou mais). Esse levantamento e outros estudos recentes indicam também que os jovens estão começando a beber por volta dos 12 anos. Na região Sul, o quadro é pior.
Reportagem publicada em 2008 no jornal Zero Hora, sob o título “Infância assolada pelo álcool”, alertava que os hábitos culturais da serra gaúcha fazem crianças de apenas cinco anos começarem a beber vinho por influência dos familiares.
Pesquisas sobre violência doméstica jogam mais combustível nesse copo: uma delas, realizada em 2007 pelo DataSenado, registrou o uso de álcool em 45,5% dos casos de violência doméstica. Esse dado confirma pesquisa de 2005 do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), que relatava agressores alcoolizados em 52% dos casos. O álcool, usado pelas pessoas para ficarem “alegres”, pode se tornar uma arma, especialmente nas mãos de quem se torna seu escravo.
As coisas melhoraram muito nas duas últimas décadas, pois os mitos que cercavam a dependência química começaram a cair graças à atenção da mídia. “Hoje existem políticas públicas continuadas”, diz o dr. Luiz Alberto Chaves de Oliveira, mais conhecido como dr. Laco, que é presidente do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas e Álcool (Comuda) e também Coordenador de Atenção às Drogas na cidade de São Paulo.
“As universidades se preocuparam em formar profissionais especialistas na área, o que não existia nos anos 1980, e surgiram outros modelos de tratamento além da internação. Mas os grupos de ajuda mútua, espalhados por todo o País, ainda sofrem muito preconceito e são desconsiderados”, afirma o médico, que garante que existe uma relação direta e bastante documentada entre abuso de álcool e diversos tipos de câncer, como de faringe, esôfago, fígado e pâncreas, e ainda com infarto, hipertensão, AVC. “A doença alcoolismo tem um caráter multifacetado”, completa.
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Uniad, muita gente ainda não compreende a doença. Ele explica: “Ninguém nasce dependente do álcool: o alcoolismo é um processo em que a pessoa se torna dependente ao longo dos anos, à medida que bebe cada vez mais – inclusive para aliviar a ressaca. O problema é que é difícil identificar o alcoolista* antes que o quadro se torne severo”, diz Laranjeira.
Ele entregou em abril de 2008 um abaixo-assinado com 800 mil assinaturas ao presidente da Câmara, em Brasília, solicitando a proibição de anúncios de cerveja na TV e no rádio das 6 às 21 horas. Esse abaixo-assinado foi fruto do movimento Propaganda sem Bebida, encabeçado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e pela Uniad/Unifesp.
“No mês seguinte o governo mandou uma MP ao Congresso com urgência constitucional”, conta o médico. “Mas o lobby das indústrias de bebidas é fortíssimo: o caráter de urgência foi retirado e a MP ainda não foi votada.”
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