A força resolve?

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É comum o dependente pedir desesperadamente o auxílio da família e horas depois se negar a aceitar qualquer ajuda.

Outras vezes, a família percebe a gravidade do problema, mas o dependente não tem a mesma opinião: não vê problema nenhum.

Qual a solução? O tratamento dependente exclusivamente da vontade do paciente? O tratamento forçado resolve?

A situações de procura por:

– tratamento por imposição de outras pessoas:

– tratamento compulsório por determinação judicial;

– por imposição dos pais, filhos ou parceiro;

– por pressão do patrão (“ou o tratamento, ou a demissão”);

– por imposição do médico de uma outra especialidade.

– internação forçada após um episódio de agitação extrema.

Qual o valor disso? Em primeiro é bom dizer que, de fato, a colaboração do paciente é fundamental. Nada vai acontecer se o indivíduo não estiver afim. Mas três situações ligadas à dependência química precisam ser investigadas antes apresentarmos algumas conclusões:

A motivação para a mudança no dependente é variável. As fases motivacionais vão da negação total da doença até o mais árduo esforço pela conquista de um novo modo de vida, sem drogas.

Pessoas que estão em tratamento sempre melhoram. Há uma infinidade de técnicas ou linhas de tratamento. Todas parecem produzir resultados bastante semelhantes. Mas independentemente da linha escolhida, os estudos são unânimes em afirmar que a permanência no tratamento sempre melhora a vida do dependente e daqueles que o cercam.

O dependente perdeu a liberdade de escolha. Este é o ponto central de qualquer transtorno psiquiátrico. A incapacidade de um indivíduo de escolher alguma coisa diferente do que faz atualmente. O dependente não consegue mais escolher entre o consumo e a abstinência. A vontade de usar é sempre maior e se sobrepõe a coisas que antes eram importantes para o indivíduo (emprego, convívio com os amigos e parentes, respeito às normas). Desse modo, não é tão simples assim ouvir da pessoa “não vou me tratar” e nada mais acontece. É chegada a hora de refletir e pedir auxílio profissional, por mais que ele comece apenas com a presença da família.

Força aí!

Há vários motivos que estimulam o indivíduo a procurar ajuda e desejar a mudança. Sentir que a família o pressiona ao tratamento, a chegada de prejuízos sociais (possível perda do emprego, condenação por contravenções penais, perdas afetivas) e clínicos são alguns deles.

O tratamento forçado pode ser eficaz. Muitos pacientes que chegam para o tratamento por ‘livre e espontânea pressão’ acabam percebendo que a abstinência lhes traz ganhos muito maiores que os tinham quando usavam drogas.

Que força é essa?

Forçar a barra pode ser bom. Mas que tipo de força é essa? Com certeza, não se trata de pegar a pessoa ‘na marra’ e interna-la, tampouco lhe dar a singela opção de “ou vai se tratar ou sai de casa”. Forçar alguém ao tratamento significa não compactuar mais com os comportamentos da dependência. Com a doença da pessoa não há diálogo possível!

Muitas pessoas dizem: “Meu marido (poderia ser meu filho, minha filha, minha mulher, meu pai, minha mãe) é muito gente boa, mas quando usa drogas muda completamente, fica agressivo, tira coisas de casa, parece uma outra pessoa”. É exatamente isso. O dependente tem várias facetas, comportamentos que se modificam o tempo todo.

Entre estes existe alguém conectado com o mundo, com sua família, com suas responsabilidades. É com esse indivíduo que vamos dialogar. Mas o que prepondera são os comportamentos comprometidos com o consumo.

Eles não hesitam em trocar responsabilidades e relacionamentos outrora importantes para ele pelo consumo de drogas. Com esse tipo de comportamento não há mais diálogo! Eles fazem parte da dependência.

Quando o indivíduo se torna agressivo, ele não merece apanhar pra aprender. Violência gera mais violência e ressentimento. O contrário: nada fazer, apanhar e viver com medo produz o mesmo efeito. A submissão a esse comportamento, significa tratar o dependente como um monstro (e é assim que ele passa a se sentir!).

Se a agressividade é um comportamento da dependência e o indivíduo não consegue escolher uma solução melhor do que essa para resolver um problema, então talvez a solução seja a internação. Vender objetos pessoais para comprar drogas é um comportamento da dependência. Portanto não há diálogo com esse tipo de coisa. Repô-los significa autoriza-lo a repetir esse comportamento.

O consumo de drogas é tão importante na vida do indivíduo, que ele sequer enxerga as conseqüências que esse lhe traz. Não há grandes dramas em estar desempregado, fora da escola, tirando coisas de casa ou mesmo cometendo delitos para financiar seu consumo. Quando a família supre ou ameniza tais conseqüências, compactua com o comportamento da dependência. Qual o mínimo que se espera de alguém que deseja ter um carro, sair e se divertir ou viajar?

Se alguém quebra um vídeo-cassete de outro, qual a conduta esperada? Se um dinheiro dado para um objetivo é usado para outro, não houve uma quebra de confiança? Não se posicionar frente a isso, significa concordar com o consumo de drogas do indivíduo. Se ele sabe que agir assim não lhe traz conseqüências, nunca precisará decidir se para de usar drogas ou continua usando. As pessoas já disseram: “pode usar à vontade que eu seguro o rojão pra você”. Assumir o controle da situação e se contrapor a todos os comportamentos relacionados à dependência do indivíduo. Essa é a força!

Eu tenho direito de forçar a barra?

A tal da culpa. A culpa trava o diálogo e impede o tratamento. Faz com que a família e o dependente percam o foco. Problemas do passado são evocados para justificar a situação atual. Sim, talvez eles de fato tenham interferido e muito provavelmente terão de ser abordados e resolvidos futuramente. Os filhos não aprenderam o que é se frustrar.

Fora de casa, porém, eles percebem que não podem simplesmente ser o que querem. Eles se frustram, mas nunca tiveram que lidar com isso. Consumir drogas pode vir a ser uma solução para alguns. No fundo os pais percebem que deveriam ter ensinado isso aos filhos antes, mas agora é tarde… Vejamos algumas saídas para esse exemplo, todas baseadas na culpa:

1. Fiz tudo por você e agora veja no que tornou. A família culpa o filho e se exime de qualquer responsabilidade pela sua situação atual. O dependente recebe dos pais um julgamento (pais não julgam, juízes sim), mas continuam a receber toda a proteção (sem limites) que sempre tiveram para tudo o que fazem (ainda que tais atitudes vão de encontro aos princípios dos pais). Essa dupla mensagem esvazia qualquer autoridade. Não há mais respeito possível.

2. Não tolero mais esse tipo de comportamento. Outra distorção bastante utilizada. A família consegue combater os comportamentos da dependência, sente-se aliviada da culpa, mas pensa que sua responsabilidade limita-se a limitar… Em casos extremos não hesitam em expulsar o dependente de casa, para que ele possa sentir as conseqüências do seu comportamento. Acontece que os limites entre autoridade e autoritarismo são muitos tênues nessas situações e a fronteira quase sempre é ultrapassada. Corre-se o risco de transformar o dependente em vilão. Uma atitude firme da família é fundamental, mas é importante que ela não se esqueça de apontar para o dependente.

3. Sou o culpado por ele ser assim. A família se culpa por não ter colocado os limites necessários e fica sem forças para dialogar com o dependente. Como se alguém, tão culpado e tão frágil, fosse tão poderoso e forte a ponto de influenciar por si só a vida do outro. O dependente ganha com isso um poder e uma força com os quais não consegue lidar: a família é a culpada e ele é a vítima.

Qual a indenização que caberá a vítima? Por essa visão, tampouco haverá maneiras para se estimular um tratamento. Mas se a preocupação em achar um culpado for deixada de lado… Talvez assim fique mais fácil sanar as falhas que contribuíram para o surgimento da dependência! Não haverá mais culpados, mas sim pessoas dispostas a assumir responsabilidades voltadas para uma mudança de atitude!

Se a falta de limites foi importante para o surgimento da dependência (como no exemplo acima), colocar limites nos comportamentos relacionados à dependência significará que a família estará disposta a agir diferente, de um modo mais saudável. Isso não só aproximará mais o dependente da recuperação, como também criará um novo elo entre esse e os membros de sua família.

Aquele que parte do pressuposto de que existe culpa, acaba por não se sentir no direito de forçar nenhuma situação. No entanto, há aqueles que se preocupam em investigar o problema, discutir as mudanças possíveis e assumir sua cota de responsabilidade para a atingi-la. As chances de sucesso aumentaram sensivelmente.

Fonte:www.einstein.br/alcooledrogas

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