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Um ministro do Supremo Tribunal Federal toma a decisão, “tecnicamente perfeita”, segundo alguns juristas, de considerar que atropelar e matar alguém, dirigindo alcoolizado, não constitui dolo.
Paralelamente, todos os dias os jornais publicam notícias sobre perdas de vidas no trânsito.
A aprovação de lei federal de 2008 reduzindo drasticamente o índice de álcool permitido ao motorista de um veículo impulsionou grande repercussão do assunto na mídia, e a fiscalização do comportamento pelos órgãos de trânsito.
Os cidadãos começaram, finalmente, a ter conhecidos (ou a serem eles mesmos) parados por policiais e submetidos ao bafômetro.
Infelizmente, a fiscalização constante durou pouco após o início da mudança de comportamento das pessoas (por exemplo, por meio da organização de planos alternativos para voltar para casa).
E mesmo onde a fiscalização ainda é frequente, a brecha na lei que permite que os indivíduos decidam se querem ou não realizar o bafômetro reduz significativamente a efetividade da lei.
Autoridades resumem por que não conseguimos avançar mais no combate ao dirigir alcoolizado quando qualificam de “deslize” esse comportamento.
Com toda a informação que já tem sido veiculada, o motorista brasileiro já deveria saber que, quando toma a decisão de dirigir após ingerir bebidas alcoólicas, está aumentando, racionalmente, a chance de prejudicar a si mesmo e aos outros.
Dirigir alcoolizado ainda é algo controvertido em nossa sociedade. Verbalizamos ser contrários a dirigir sob efeito do álcool, mas acreditamos (erroneamente) que apenas a ingestão de altas doses está relacionada a acidentes. Ou nos insurgirmos contra a interferência do Estado no nosso direito de decisão.
No fundo, trata-se de uma “contabilidade interna” na qual dirigir com ingestão de álcool parece um risco pequeno (o de ser pego pela fiscalização ou de causar acidente) diante das vantagens (fácil e rápida mobilidade).
Apenas a adoção de estratégias que funcionaram no mundo todo pode mudar o quadro atual.
As principais delas são: a) os motoristas que decidirem não soprar o bafômetro quando requisitados serão considerados imediatamente culpados de dirigirem alcoolizados; b) manter intensa fiscalização com o uso de bafômetro; c) consequências imediatas para aqueles que forem pegos dirigindo alcoolizados; d) intensa participação da mídia na divulgação das consequências do dirigir alcoolizado (notadamente acidentes e penalidades).
Por último, chegou a hora de a sociedade civil realmente se envolver. A grande redução dos índices do dirigir alcoolizado só ocorreu em diversos países quando se formaram frentes de cidadãos (não relacionadas a indústrias de álcool), geralmente liderados por pessoas atingidas de alguma forma por um acidente e que passaram a informar o público e pressionar os políticos.
Direta ou indiretamente, somos todos atingidos em nosso direito de cidadãos quando ocorre uma tragédia perfeitamente evitável.
Ilana Pinsky, psicóloga, é professora afiliada da Unifesp e vice-presidente da Abead (Associação Brasileira dos Estudos de Álcool e outras Drogas).
Fonte: Folha de São Paulo