Tempo de leitura: menos de 1 minuto
Vivemos em uma sociedade de livre iniciativa e todas as pessoas e empresas têm o livre arbítrio para buscar a melhor forma de satisfazer as suas necessidades. Mas isto significa que está tudo liberado? As propagandas seguem a chamada “Lei de Gérson” (levar vantagem em tudo) ou as regras do “marketing responsável”?
Não há duvida de que a propaganda é uma forma de comunicação persuasiva que tem o objetivo de influenciar as pessoas, alterar opiniões do público e modificar as atitudes da população. Exatamente porque tem poder de persuasão, as campanhas publicitárias precisam agir dentro da lei e atuar com base em princípios éticos.
Neste sentido, cabe indagar sobre a oportunidade de o técnico da seleção brasileira de futebol fazer propaganda de bebida alcoólica, já que Dunga ocupa um cargo “público” que é muito bem remunerado.
O futebol, apesar de ser um esporte originalmente bretão, foi incorporado às tradições populares do país e passou a fazer parte do “Patrimônio Cultural Imaterial” do Brasil.
Toda associação com imagens do futebol tem grande apelo popular. Portanto cabe a pergunta: é ético o ex-capitão da seleção brasileira utilizar a sua posição privilegiada para fazer propaganda da cerveja Brahma?
O Ministério Público Federal já ajuizou diversas ações civis públicas contra as cervejarias (e suas propagandas) com pedido de indenização pelos danos causados pelo consumo exagerado de cerveja, tais como o aumento de mortes violentas e de homicídios, de problemas de saúde em geral, de dependência química, de acidentes de trânsito, de problemas profissionais, de violência urbana e doméstica, etc.
A questão da publicidade de cerveja no Brasil não se encaixa na questão do moralismo, mas sim em um problema de saúde pública devido ao aumento da morbidade e da mortalidade.
Recentemente o CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) proibiu a veiculação pela TV do filme de 30 segundos da campanha da cerveja Devassa com Paris Hilton.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) considerou a campanha sexista, com forte apelo erótico (com uso de modelos como objeto sexual) e desrespeitosa com as mulheres. A retirada do comercial sexista foi indubitavelmente um avanço.
Mas como perguntou o jornalista Ruy Castro, em artigo recente: “O que é mais ‘imoral’ na TV? A socialite Paris Hilton se esfregando numa garrafa de cerveja ou o treinador da seleção brasileira, Dunga, batendo no peito e se dizendo ‘brahmeiro’? A meu ver, Dunga. Mas Paris Hilton é que foi censurada”.
O sexismo das propagandas de cerveja não é ofensivo apenas às mulheres. O sexismo também é ofensivo ao sexo masculino, pois apresenta os homens como “bobos alegres” que vivem na praia, nos estádios de futebol e nos botecos sempre dependentes de um copo de bebida. Os homens são retratados com base em uma “masculinidade hegemônica” que, no mínimo, é reducionista e ultrapassada. As imagens estereotipadas e discriminatórias são ofensivas à dignidade de ambos os sexos. A mercantilização da imagem de corpos atléticos de homens e mulheres exibida nas propagandas de cerveja é um atrativo para os jovens que se tornarão adultos e idosos frequentadores das reuniões dos Alcoólicos Anônimos.
Na verdade as propagandas de cerveja deveriam ser tratadas sob a ótica da saúde pública, sendo insuficiente colocar a frase “beba com moderação”. Aliás, o Ministério da Saúde, por meio da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem tentado implementar propostas de restrições à publicidade deste bilionário mercado das cervejas, pois associa o consumo de álcool a acidentes de trânsito com vítimas, má-formação de bebês e até ao abuso sexual e episódios de violência de todo tipo.
O ministro José Gomes Temporão chegou a criticar artistas famosos como Zeca Pagodinho e Ivete Sangalo (e também jogadores de futebol) pela participação – a peso de ouro – nas campanhas publicitárias de cerveja no Brasil.
Recentemente a imprensa cobriu com grande alarde os problemas do jogador Adriano (o Imperador), do Flamengo e da seleção brasileiro, envolvido, segundo a mídia, com problemas de alcoolismo e briga com a noiva em uma favela carioca.
Mas, durante a Copa do Mundo na África do Sul, com qual moral o Dunga poderá tratar dos referidos problemas de alcoolismo do jogador Adriano se nos intervalos dos jogos o técnico da seleção brasileira é o maior propagandista da cerveja Brahma?
Os anúncios de cervejas no Brasil têm um quê de propaganda enganosa, pois, em geral, associam o consumo de cerveja ao esporte, à felicidade e ao sexo, como se sexo e prazer fossem subprodutos da embriaguez. O melhor para o Brasil seria avaliar os prejuízos que elas causam à saúde e a educação nacional.
A publicidade, ao utilizar figuras públicas de alto apelo popular, precisa atuar com base nos princípios éticos e nos padrões de civilidade e cidadania, não colocando o lucro e os ganhos momentâneos do consumismo acima do bem-estar, de longo prazo, da população brasileira.
Fonte: José Eustáquio Diniz Alves -EcoDebate