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Evitar o primeiro gole é um dos conselhos do Alcoólicos Anônimos (AA) – referência para o tratamento do alcoolismo. Mas, para o psiquiatra Lance Dodes, diretor da unidade de abuso de substâncias do Hospital McLean, centro ligado à Escola de Medicina de Harvard, o método dos 12 passos do AA está cheio de falhas – e a abstinência sem concessões é uma delas.
O médico acaba de lançar nos Estados Unidos o livro “The Sober Truth: Debunking the Bad Science Behind 12-Step Programs and the Rehab Industry” (“A Verdade Sóbria: Desconstruindo a má ciência por trás do programa de 12 passos da indústria de reabilitação”, em tradução livre).
Nele, o psiquiatra diz que a recaída integra a recuperação e deve ser vista sem julgamentos. “O foco deveria ser a compreensão das emoções que levam ao primeiro gole”, afirmou à Folha. “No AA, se há a recaída, é o paciente que não seguiu o método”, diz. “A irmandade nunca falha.”
Dodes critica o tratamento do alcoolismo como uma doença. Para ele, a condição deve ser tratada como um sintoma de compulsão. “Não faz sentido falar para um compulsivo por comida parar de comer. Sei que não precisamos de álcool para sobreviver, mas o que quero mostrar é que perseguir a abstinência a qualquer custo é oferecer uma má terapia.”
Dodes ataca ainda a falta de evidência científica do AA e o foco estrito no alcoolismo – sem considerar outras condições psiquiátricas.
O psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp, concorda que a recaída faz parte do processo. “O desafio está em diminuir a frequência”, afirma.
As críticas dos especialistas são rebatidas pelo AA. Seus membros se dizem guiados pela lógica espiritual, não a científica. “Se conseguirmos tirar uma pessoa do alcoolismo, já cumprimos nosso papel”, explica Olney Fontes, clínico geral e diretor do AA no Brasil. “Sabemos por inúmeras experiências que o primeiro gole é o gatilho para a volta do vício.”
O AA está em 150 países. No Brasil, são 5.000 unidades. Muitas clínicas usam os 12 passos como complemento à terapia.
O consenso é que não há uma terapia única para tratar o alcoolismo. Nos anos 1990, o projeto Match, que recebeu US$ 27 milhões do governo americano, comparou o AA, a terapia cognitivo comportamental e a terapia motivacional. O estudo não encontrou diferença de eficácia entre as técnicas.
Hoje, a tendência é individualizar a terapia usando os recursos disponíveis, incluindo remédios e até a tentativa, por um certo período, do uso moderado daquilo que é consumido compulsivamente.
“Se o caminho for o AA ou o uso controlado do álcool porque o paciente quer tentar, vamos trabalhar com essas ferramentas”, diz Analice Gigliotti, chefe do setor de Dependência Química da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Cliff.
Mas não são todos os especialistas que acreditam em concessões. “Temos que usar todos os recursos, mas há estágios que não permitem o uso controlado, é muito arriscado”, diz Marcelo Parazzi, da clínica Grupo Viva.
“Trabalho com esses pacientes há décadas e nunca vi um deles conseguir fazer o uso controlado do álcool”, diz Arthur Guerra, psiquiatra da USP e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.
Fonte: Folha de São Paulo
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