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Eles sabem dos perigos da mistura de álcool e direção. Mas confiam em si mesmos a ponto de arriscarem todo o futuro que têm pela frente.
Dose de imprudência
Já passa da meia noite de sábado, quando vários grupos aglomeram-se em um posto da Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo. Mas ninguém está ali pelo combustível: todos vieram a loja de conveniência, onde é possível abastecer-se de bebidas por um preço menor que o de bares e baladas da cidade. Uma turma de amigos aguarda o momento de entrar em uma festa, que acontece a um quarteirão dali. “Hoje o esquema é bebida liberada” diz Bruno, 23 anos, o dono do Citroen C3 estacionado no posto. Em seu carro estão Antonio, Fernando e Rafael.
A este ultimo, garantem, caberá a missão de levar o carro no caminho de volta, caso Bruno não tenha condições de dirigir, embora o próprio Rafael, 22 anos, admita já ter bebido uma lata de cerveja. O único do grupo que demonstra estar bem alterado é Thiago, 21 anos, que já transpira álcool e não fala com clareza. Em uma mão traz uma lata de cerveja, na outra, as chaves do Pálio de sua mãe.
Agitado, Thiago intimida-se com a lente do fotografo. Ele diz que não quer “dar esse desgosto à mãe”, ainda que ela já saiba de seu habito de dirigir embriagado.
Pressionado pelos amigos a posar para a foto, ele ensaia um discurso desconexo sobre seu direito à liberdade, e arranca risadas dos companheiros. Mas, se tem pudor de mostrar o rosto, não o tem para assumir seus atos. “Pode escrever ai que isso não tem solução. Todo mundo sai, bebe e dirige.
Se alguém disser que não, está mentindo”, diz. Certo de que não lhe restam alternativas, ele se justifica. “Se eu for pegar táxi toda vez que for sair para beber, vou à falência”, afirma.
Os amigos fazem coro. “É impossível a gente sair e alguém não beber. Um de nós pode beber menos, mas passar a noite a seco é difícil. Não tem como se divertir assim”, diz Antonio.
Thiago e seus amigos conhecem muito bem as conseqüências da mistura de álcool e direção. São jovens comuns, de boa educação e amplo acesso à informação. Mas, cada noite que se arriscam ao volante na tênue linha da sobriedade, cometem um crime – com pena prevista de seis meses a três anos de detenção – que segue tirando a vida de milhares de jovens de sua idade.
Uma atitude tão condenável quanto comum, que faz dos acidentes de transito a segunda maior causa de morte entre os jovens brasileiros – só perde para os homicídios, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Estima-se que entre 40% e 50% das mortes de jovens no transito estejam associadas ao uso de álcool. “Sei que é errado, mas não tem jeito. Todo mundo faz isso e, enquanto eu continuar a sair, vai ser assim”, diz Thiago.
A sinceridade de Thiago chama atenção, mas não é raro encontrar outros jovens que pensam e agem da mesma maneira. Uma semana depois, a mesma cena repete-se em um outro posto da Vila Olímpia, zona sul de São Paulo. Em um dos grupos está Helton, 21 anos, dono do Audi A3 estacionado em frente a loja de conveniência. Ele carrega uma garrafa de cerveja, mas logo trata de se justificar. “Sempre procuro beber dentro do meu limite. Hoje, na balada, pretendo beber só umas três doses de uísque”, afirma.
“Antes, quando tinha um Pálio com câmbio manual, era difícil dirigir bêbado, por causa da rampa da garagem. Agora, com câmbio automático, é sossegado.” Em outro grupo, Fernanda, de 19 anos e Bruno, de 20, contam as historias de acidentes da turma – que a julgar pelas garrafas de bebida, não serviram como exemplo. “Há pouco tempo, dois amigos bateram feio ao voltar de uma festa e ficaram em coma”, diz a estudante. Bruno, por sua vez, já se envolveu em uma colisão por causa da embriaguez de um amigo ao volante. “Por sorte não aconteceu nada com a gente.”
Do outro lado da rua, outra turma também faz o aquecimento para a balada, regado a vodca. “A gente vem direto para este posto, quase todo fim de semana. É mais barato já beber bastante antes e chegar à balada calibrado” diz Wilton, 19 anos. Daniel, 21 anos, afirma sempre ser muito cauteloso na volta pra casa, mas admite já ter vivido seus deslizes. “Confesso que um dia desses bebi demais e não sei como cheguei dirigindo em casa. Só sei que acordei no dia seguinte e o carro estava lá, mas não me lembro de nada”, diz.
Foi dele a dica de outro local pra encontrar gente de sua idade cometendo a mesma imprudência. “Na próxima semana tem uma micareta. Começa à tarde, mas é só chegar mais cedo para ver um monte de carros com o porta-malas aberto, cheio de bebidas, pode apostar”, diz Daniel.
A cena não poderia ter sido descrita com mais fidelidade. Por volta das 11 da manhã do domingo seguinte, o trânsito atípico na rodovia dos Imigrantes denuncia o que vem pela frente.
O fluxo de veículos com destino ao carnaval temporão é tão grande que forma uma enorme fila. Cada carro leva quatro, cinco jovens, com ao menos uma lata de cerveja ou garrafa de vodca na mão – inclusive os motoristas, que não se intimidam com a presença da policia nas proximidades.
Ao volante, o estudante Allan, 19 anos, coloca meio copo para fora do carro para trocar garrafas com um jovem em um outro carro, também em movimento. Horas depois, ele já estava tão embriagado que mal parava no lugar, dançando ininterruptamente.