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As etapas iniciais da síndrome de abstinência de álcool caracterizam-se por estado de ansiedade, afetividade negativa, insônia, depressão e sensação de “craving” ou fissura. Dentre elas, provavelmente, a fissura é a sensação de maior relevância, tornando as etapas iniciais da abstinência as de maior vulnerabilidade à recaída ao uso de álcool. Dentre inúmeros estímulos, a sensação de fissura pode ser desencadeada por estresse e exposição a situações associadas ao uso de álcool.
Atualmente, não se sabe se há diferenças fisiológicas e emocionais entre a fissura induzida por estresse e a fissura induzida por situações ligadas ao uso de álcool, de tal forma que seu esclarecimento possibilitaria a compreensão de como a dependência de álcool afeta a psicopatologia da fissura, auxiliando no desenvolvimento de estratégias de tratamento ao alcoolismo.
Desse estudo participaram 20 sujeitos, abstinentes da dependência de álcool – 18 homens e 2 mulheres, que buscaram por tratamento. Antes de iniciada a intervenção, todos os participantes estavam, pelo menos, 28 dias abstinentes.
Após 2 semanas de internação, os participantes foram questionados a respeito da situação mais estressante de suas vidas, de situações que facilitassem o uso de álcool – ex.: estar num bar e presenciar outras pessoas bebendo, e, finalmente, uma situação neutra e relaxante que não estivesse associada ao uso de álcool e tampouco de outras drogas.
As três situações foram registradas na forma de roteiro e apresentadas, auditivamente, aos participantes, sendo convidados a reviver tais situações – “imagery test”. Cada situação foi individualmente revivida, cada qual durante um dia.
Como foram empregadas três situações diferentes, foram realizados três dias de intervenção, durante os quais os participantes foram avaliados em termos de pressão sanguínea, freqüência cardíaca, estado emocional (afeto positivo, negativo e estado de ansiedade), sensação de fissura e concentração do cortisol salivar (medida da resposta do eixo HPA). Todas as variáveis foram mensuradas nos 5 minutos prévios à intervenção, durante a mesma e 15, 30, 45, 60 e 75 minutos após.
Os participantes consumiam álcool, em média, por 18,1 anos. Conforme os autores, entre os participantes, o tipo de teste influenciou as medidas de ansiedade, fissura e afetividade. Em relação à situação neutra, a fissura e a ansiedade foram mais intensas durante o teste que envolvia as situações relacionadas ao uso de álcool, enquanto que os sentimentos de raiva, tristeza e medo foram mais intensos na situação de estresse, acompanhados de diminuição marcante da sensação de alegria (afeto positivo).
As diferenças entre as situações surgiram, principalmente, no tempo 0, ou seja, durante o teste propriamente dito, porém, as mudanças quanto aos estados de fissura e ansiedade estenderam-se após seu término, sugerindo que para tais variáveis, os participantes necessitavam de maior período de tempo para se recuperarem.
Não foram encontradas mudanças quanto à freqüência cardíaca, mas a pressão sanguínea foi mais elevada durante o teste de estresse. Já o nível de cortisol salivar foi maior ao teste que envolvia situação de exposição ao álcool.
Conforme os autores, entre sujeitos dependentes de álcool e abstinentes, a fissura pode ser deflagrada por estresse e exposição a situações que estejam de alguma maneira, associadas ao uso de álcool. Uma vez deflagrada, a fissura é acompanhada por afeto negativo, piora do afeto positivo e, finalmente, aumento do alerta fisiológico, seja por aumento da pressão sanguínea, seja por aumento do nível de cortisol salivar.
Em vista desses resultados, sugere-se que os correlatos neurofisiológicos e emocionais subjacentes à sensação de fissura sejam distinguidos conforme a natureza do estímulo que a deflagre, caracterizando a fissura como um fenômeno multifacetado, de variados mecanismos psicobiológicos.
Como o estresse e a exposição ao uso de álcool têm sido identificados como situações perigosas à recaída de uso e como estímulo ao uso entre bebedores sociais, maior número de estudos são necessários para que a fissura e seus fatores desencadeantes sejam analisados, possibilitando o desenvolvimento de intervenções clínicas e farmacológicas específicas aos componentes de recompensa e de angústia associados à fissura.
Fonte: Cisa