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Nos últimos anos, as atenções das autoridades se voltaram para o crack. Com o intuito de combater a devastadora droga, o governo local anunciou, na semana passada, o emprego de R$ 65 milhões. O recurso sustentará o plano de enfrentamento ao entorpecente pelo próximo quadriênio.
Mas enquanto todos os discursos são para combater o uso da pedra branca, um outro mal, o álcool, avança silenciosamente, atingindo principalmente crianças e adolescentes. A falta de limite dos pais e o fácil acesso, além das tímidas campanhas de prevenção, fazem com que o consumo de cerveja, vinho, uísque e outras bebidas aumente consideravelmente entre os jovens.
A mais recente pesquisa sobre o tema, divulgada pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), aponta que pessoas na faixa etária entre 14 e 17 anos são responsáveis por consumir 6% do álcool vendido em todo o território nacional. Um outro estudo, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, traz uma informação ainda mais assustadora: o primeiro gole ocorre entre os 11 e os 13 anos. O mesmo levantamento mostra que 42% dos estudantes dos ensinos médio e fundamental ingeriram bebida alcoólica nos últimos 12 meses.
O que a pesquisa constatou em todo o país pode ser observado nas ruas do Distrito Federal. Um dos exemplos é um encontro semanal de estudantes na 411 Sul. Regada a vodca e vinho, a reunião costuma atrair dezenas de alunos na quadra próxima a um colégio. Eles mostram que usam artimanhas para conseguir comprar bebidas.
Muitas vezes, os donos de bares são flagrados infringindo a legislação. Levantamento da 1ª Promotoria de Justiça de Infância e Juventude do DF, ao qual o Correio teve acesso, revela que 170 estabelecimentos comerciais em várias cidades foram flagrados vendendo ou entregando bebida alcoólica a menores de 18 anos nos últimos 15 meses. Todos os donos de restaurantes, bares e quiosques acusados de infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tiveram de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, no qual se comprometeram a não reincidirem na transgressão. Aqueles que descumprirem as regras do TAC estão sujeitos à multa de R$ 3 mil e podem ter o alvará de funcionamento revogado pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis).
O MPDFT também decidiu notificar os fabricantes e distribuidores para celebrar Termos de Cooperação, a fim de realizar campanhas de esclarecimento à população sobre os malefícios do álcool para crianças e adolescentes. Um dos responsáveis pelo projeto, o promotor Renato Varalda, considera importante o envolvimento das grandes empresas, mas ressente a falta de uma política pública mais engajada voltada para a população infantojuvenil.
“A legislação é rígida, sim, mas falta consciência para cumpri-la. São raros os inquéritos relacionados à venda de bebida para menores. A lei dá poderes para as polícias Civil e Militar fecharem estabelecimentos caso adolescentes sejam vistos comprando bebida, mas ainda existe a cultura de que o álcool não traz malefícios e que o comerciante que vende bebida para menores não está fazendo nada de errado”, criticou Varalda, promotor da Infância e da Juventude.
Efeitos nocivos
Os adolescentes que bebem com frequência podem até não sentir os efeitos imediatos do álcool no organismo, mas o professor de farmácia da Universidade de Brasília (UnB) José Eduardo Pandóssio explica que quem faz uso de bebida precocemente tende a desenvolver sérios problemas que afetam diretamente o aprendizado. Atividades simples do dia a dia, como memorizar um exercício escolar ou falar em público, tornam-se mais difíceis devido à ação degenerativa que ocorre no sistema nervoso do usuário de álcool. “Quanto mais cedo a pessoa começa a beber, os efeitos deletérios afetam mais rapidamente o seu desenvolvimento, fazendo com que ela perca progressivamente mais neurônios”, ressalta Pandóssio.
Segundo o especialista, o consumo abusivo do álcool ainda pode causar problemas hepáticos e renais, além de tornar o adolescente mais violento. “A droga, em si, não produz agressividade, mas, se a pessoa tiver um potencial agressivo, pode externá-lo com a dependência. Se o uso for mais crônico, de o jovem beber toda semana ou todos os dias, ele pode desenvolver problemas hepáticos e renais. Dependendo da idade do indivíduo e do estado geral de saúde dele, o álcool pode ainda comprometer várias enzimas e causar complicações digestivas”, completa.
Análise da Notícia
Risco iminente
O primeiro gole, em geral, acontece na rua, com os amigos, ou mesmo em casa, durante as reuniões familiares. Sem serem reprovados pelos pais, muitos jovens passam a beber com mais frequência, aos fins de semana, não se dando conta dos riscos que correm de se tornar um dependente. Entram numa brincadeira perigosa, pois, se são predispostos a se tornarem um alcoólatra, podem entrar num caminho sem volta. O alerta vem dos especialistas e das pesquisas, que mostram crianças e adolescentes se tornando viciados em álcool cada vez mais cedo. O controle, portanto, deve ser mais rígido em casa e nas ruas, onde poucos comerciantes são punidos por venderem bebidas a menores. Só assim veremos menos jovens se embriagando.
O que diz a lei
O artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) trata como crime, com pena prevista de dois a quatro anos de prisão, a venda ou o fornecimento à criança ou ao adolescente de “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica” ao usuário.
Famílias omissas
Jovens familiarizados com o álcool antes da idade adulta, muitas vezes, contam com a conivência dos pais. Criados em meio à cultura de que “festa boa é regada a bebida alcoólica”, crianças e adolescentes são incentivados a dar o primeiro gole com o argumento de que, se estão perto dos responsáveis, os riscos são menores.
Fonte: Correio Braziliense