Alcoolismo mascara fobia social

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Uma parte importante dos alcoólatras fica dependente da bebida para aliviar os sintomas de outra doença psiquiátrica, a fobia social –medo de ser julgado por outras pessoas.

Ou seja, cachaça, uísque e cerveja são utilizados como uma espécie de automedicação indevida contra sensações como tremores e “brancos” que atingem os fóbicos sociais quando se expõem ao público.

O alerta é de uma pesquisa do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad/Unifesp). Os resultados foram aprovados para publicação em uma revista científica norte-americana de destaque, a “Comprehensive Psychiatry”.

O estudo dos psiquiatras Dartiu Xavier da Silveira e Mauro Barbosa Terra, com 300 alcoólatras que já tinham sido internados, descobriu que 25% sofriam de fobia social. E que 90% deles começaram a beber após início dos sintomas do “medo de gente”, que melhoravam quando estavam intoxicados pelo álcool.

“A fobia social precedeu a utilização do álcool, o que reforça a hipótese de ingestão de bebida como automedicação”, afirmam os autores. “É provável que tenham se tornado alcoólatras devido à própria fobia social”, diz Silveira

Segundo o psiquiatra, um dos dados mais preocupantes foi o fato de 80% dos pacientes que tinham fobia social não receberem tratamento específico para o problema, apesar de terem atendimento médico. Nesta situação, poderiam voltar a buscar o álcool como “remédio”.

“O trabalho é extremamente relevante”, diz Márcio Bernik, que coordena o Ambulatório de Transtornos de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da USP.

Segundo Bernik, o estudo, embora não trate da maioria dos casos de alcoolismo, traz respostas para uma “minoria significativa”.

Ele explica: estudos apontam hoje que a maioria dos alcoólatras desenvolveu a doença em razão de situações familiares ou problemas sociais, como o desemprego. Em geral, são pessoas de personalidade expansiva, que gostam de festas, e chegam à dependência em decorrência do tempo e da quantidade de consumo de bebida.

Mas, para uma parte que não é desprezível, a origem pode ser a fobia social, doença tratável com antidepressivos e psicoterapia.

“O abuso do álcool também pode ser conseqüência de longo prazo de um transtorno de ansiedade [como a fobia social]”, diz Bernik.

Estudos internacionais mostram que 30% da população julga ter algum grau de timidez e 13,5% atingem critérios que diagnosticam fobia social. Das pessoas que fazem parte do último grupo, 3,5% têm prejuízos muito graves, como não ter nenhum relacionamento amoroso durante a vida.

Os transtornos de ansiedade como a fobia social costuma surgir durante a juventude. “A doença é crônica e não desaparece sozinha”, afirma Bernik.

O representante comercial M., 44, diz que era muito envergonhado desde a adolescência. Já adulto, tomava uísque quando ia fazer uma exposição aos colegas.

“Fui me soltando via bebida. Até que virei alcoólatra. Só que não adianta. A conta vem. Perdi o contato com as minhas irmãs, a minha mulher. Só não virei indigente porque fui buscar ajuda.”

As bebedeiras, diz M., mudavam sua personalidade, geravam amnésia. “Tenho uma filha de 17 anos. Ela sempre foi uma princesa para mim. Mas andei falando coisas que não deveria. Até hoje estou tentando me reconciliar. Ainda estou numa guerra”, disse ele, que, agora sob tratamento, também tenta voltar a viver com ex-mulher. Ontem ele almoçou com as duas.

Fonte: Folha de São Paulo

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