Estudo evidencia relação entre Uso abusivo de Álcool e Problemas Cardíacos

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Walshe, em 1873, foi o primeiro a chamar atenção para o papel adverso exercido pelo álcool no coração. Entretanto, somente após o relato de Graham Steel, em 1893, demonstrando em 25 casos de insuficiência cardíaca (IC) a associação com o alcoolismo crônico, é que esta relação passou a ser aceita, porém com reservas pelos médicos.

A partir da segunda metade deste século, ganhou maior difusão na clínica. Entre os 673 pacientes consecutivos com IC congestiva estudados no período de 1982 a 1991, no Johns Hopkins Hospital, a causa mais freqüente foi a cardiomiopatia dilatada com 46,5%, estando o álcool presente em 23 (3,4%) pacientes, em indivíduos que consumiam mais do que 224g/dia de etanol, por mais de seis meses ou em tratamento do alcoolismo.

O elemento de maior significado no tratamento da cardiomiopatia alcoólica (CMA) é a abstinência, que deve ser perseguida em qualquer fase da agressão. Alguns autores pregam a proibição total do consumo de álcool, não se admitindo sequer o seu uso social, pois deprime ainda mais o miocárdio, precipitando arritmias.

Recentemente, publicação do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América aconselha desencorajar o seu consumo, sendo que naqueles onde for impossível alcançar a abstinência ou naqueles com pequeno grau de disfunção miocárdica, permitir o uso de dose única diária (<28g de etanol/dia).

Assim, os autores deste estudo resolveram avaliar o significado da abstinência na evolução da CMA, em portadores de disfunção miocárdica de grau moderado, que aceitaram participar espontaneamente de protocolo, onde a meta a ser alcançada era a retirada total do álcool, com terapia de apoio psicoterápico.

Métodos

Foram avaliados, por estudo observacional prospectivo, 20 pacientes com CMA, que apresentavam disfunção ventricular de grau moderado, encontrando-se em tratamento ambulatorial, e que concordaram (consentimento escrito), após conhecer a proposta do estudo, em iniciar terapia de apoio psicológico regular, por período de 12 meses, visando se livrarem do vício do consumo excessivo do álcool, com o objetivo de verificar o papel da abstinência alcoólica na melhora, manutenção ou agravamento da disfunção miocárdica.

Foram excluídos do estudo os portadores de hipertensão arterial (complicação freqüente entre os que consomem excesso de álcool), os que apresentavam quadro anterior de angina do peito e passado de infarto do miocárdio, afastando algumas causas que, associadas ao consumo de álcool, poderiam ocasionar agressão miocárdica.

Eram 16 (80%) homens, com idades entre 35 a 56 (x=45) anos, com predomínio de negros (55%), com consumo considerado pesado de álcool e >80g de etanol/dia, segundo os critérios de Burch e Gilles, por período de 51 a 112 (x=85) meses, avaliados segundo a classe funcional (CF) da New York Heart Association, 9 (45%) na CF II e 11 (55%) na CF III, mantidos em seguimento ambulatorial, em uso de terapia anticongestiva com digital, diurético (furosemida ou tiazídico) e inibidor da enzima conversora, otimizados em suas dosagens.

A disfunção ventricular esquerda foi avaliada por meios clínicos, eletrocardiográficos e medidas ecocardiográficas, sendo empregados os diâmetros diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) e sistólico do ventrículo esquerdo (DSVE); a dimensão do átrio esquerdo (AE) e do percentual de encurtamento circunferencial do ventrículo esquerdo (VE) – % ES, comparando-se suas medidas antes e após a introdução do programa de apoio psicológico.

Os pacientes foram divididos em quatro subgrupos de cinco, constituindo os subgrupos de terapia de apoio, que era semanal, realizada em horário de comum acordo entre os seus participantes e terapeutas. Ao lado desse apoio, continuaram o acompanhamento ambulatorial a cada dois meses, ou quando necessário, sendo avaliados por exames clínico e complementar não invasivo (eletrocardiograma e ecocardiograma), comparando-se os achados antes do inicio da terapia de apoio e após 12 meses. Os que lograram atingir abstinência constituíram o grupo 1 (G-I) e os que permaneceram com hábitos alcoólicos o grupo 2 (G-II).

Ao término do estudo foram submetidos a teste de avaliação, visando conhecer: se consumiram ou não álcool (quantidades e motivos que o levaram a usá-lo), seus sintomas, sua experiência com a supressão da droga e suas reações quando mantidos no programa, e naqueles que abandonaram a terapia, as causas que motivaram essa decisão.

Resultados e Discussão

Após transcorridos os 12 meses, permaneciam no programa de terapia de apoio 11 (55%) pacientes, tendo oito atingido a abstinência e três que continuavam a consumir bebidas alcoólicas com freqüência, mesmo com a permanência no programa de psicoterapia.

Ao término dos 12 meses alcançamos igual número de pacientes entre os grupos, porém, entre os que atingiram abstenção (G-I), 3 (30%) tinham apresentado melhoras na função ventricular, 6 (60%) permaneciam inalterados e apenas 1 (10%) tinha piorado. No entanto, entre os que não alcançaram a abstinência (G-II), apenas 1 (10%) apresentou melhoras da função, 4 (40%) permaneceram inalterados e 5 (50%) pioraram a função ventricular. O único caso do G-II, apresentando melhoras, era o paciente que permaneceu no grupo de apoio e que passou a consumir menor volume de etanol por semana.

Assim, apesar do desejo inicial dos participantes do estudo, a abstinência só foi obtida em 50% dos pacientes com CMA e disfunção ventricular moderada, porém no grupo onde foi alcançada, obtivemos melhor evolução (inalterados + melhoras = 90%), com redução do DDVE e do DSVE, devendo ser perseguida mesmo nos pacientes com disfunção ventricular moderada

A CMA é mais freqüente entre os homens, de 30 a 55 anos, e que consomem mais do que 80g etanol/dia. Discute-se, qual o tempo e a dose mínima de álcool, que provoca agressão ao miocárdio, e se haveria algum grau de predisposição genética na sua caracterização.

O utilizado, mais amplamente, é o do consumo maior do que 80g de etanol/dia durante os últimos 10 anos, entretanto, doses menores como 60g etanol/dia em períodos mais prolongados (média 25 anos), também podem ser responsáveis pela agressão. A predisposição genética é encontrada na doença hepática dos alcoólatras e relacionada com a presença do antígeno B 6 nos pacientes com cardiomiopatia dilatada que consomem álcool de modo exagerado, sugerindo a existência da predisposição genética na agressão ao coração.

Em nenhum dos nossos casos tínhamos história familiar de CMA, entretanto, a sua exclusão não afasta a possibilidade da existência de predisposição genética ao álcool, o que não foi alvo do nosso estudo.

Os alcoólatras podem apresentar redução da ingesta de vitamina B1 (tiamina) que pode ocasionar a chamada tintura beribérica, que é a carência sem os sintomas e sinais característicos do beribéri e que, rapidamente, desaparecem com a reposição desta vitamina.

Cerca de 15% dos alcoólatras assintomáticos apresentam moderada deficiência desta vitamina e que 10% dos pacientes com IC só melhoram o quadro congestivo após a adição da tiamina ao esquema terapêutico. Para evitar esta contaminação, os pacientes, durante o período do programa de apoio, não fizeram uso de complementação vitamínica a fim de não modificar os achados da abstinência.

Apesar dos custos serem elevados para a realização de programas de apoio a alcoólatras, eles devessem ser estimulados, pois seu efeitos são evidentes quanto ao papel de regressão da disfunção miocárdica, do número de hospitalizações por descompensação cardíaca e por propiciar maior integração familiar, social e comportamental do cidadão.

Fonte: Site Álcool e Drogas sem Distorção (www.einstein.br/alcooledrogas)/Programa Álcool e Drogas (PAD) do Hospital Israelita Albert Einstein

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